Citando
"Quando alguém ouve ou lê uma coisa que se tenha escrito, o elogio é invariavelmente dizerem-nos que era aquilo mesmo que tinham pensado. Passam-se meses a observar e a escrevinhar e o leitor agradecido não se contém: «É incrível como você pôs em palavras coisas que eu tinha pensado há muito tempo...!» Fica-se sempre com uma sensaçãozinha de ladroagem. E um eco indesejado daquela cantinela horrenda que asseverava: «Só nós dois é que sabemos.»
A atitude epistemológica portuguesa resume-se da seguinte maneira: «Eu sei tudo, mas é tanta coisa que a certa altura esqueço-me completamente. Como é que era aquilo? Tu, em contrapartida, sabes muito mas não tanto como eu, atenção. Tens é uma memória do caraças.» Anseia-se por aquelas duas palavras que não envergonham as outras raças e que tantas vezes conduzem ao esclarecimento: «Não sei». Ou três: «Não fazia ideia». (...)
Ser português é fingir que se sabe tudo mas querendo saber umas coisinhas ao mesmo tempo. Ficar surpreendido é dar parte fraca, pelo que a aprendizagem tem de fazer-se de uma posição de força, um bocado bruta até. A atitude dos portugueses perante uma novidade interessante é mostrar fastio e condescendência.
A formulação típica (versão curta) é: «Olhe, não me está a dar novidade nenhuma, que eu isso já estava farto de saber....e, aliás, estive mesmo para lhe chamar a atenção precisamente para isso, só que falatava-me uns elementos, não sei se está a ver...»
O facto de esta pose de omnisciência não enganar ninguém só a torna mais incompreensível e encantadora."
Miguel Esteves Cardoso, "A Minha Andorinha" (2006).
1 Comentários:
talvez tenha o português em si tanto que não consegue lidar com isso, e portanto daí a frequente incapacidade de se pôr em prática aquilo que se quer. Mas se o problema é lidar com o que existe, e com o que se é, há certamente quem o consiga fazer, tanto mais porque é a nossa cultura riquíssima, para onde quer que olhemos. Se o português se enfastia deverá ser porque sabe que já o D. Afonso Henriques e o D. Dinis tinham feito isso, ou se o não fizeram, pensaram certamente. Para quem vê tudo como um todo, será naturalmente difícil nomear o inominável ou explicar o incompreensível. Mas quando se trata de fazer, ah, aí, o português faz. E tanto mais depressa e melhor faz quanto menos pensa e mais age. É difícil compreender algo imprevisível, mas o português compreende fazendo. É essa a beleza de ser português.
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